por Salvador Nogueira/fotos Amilcar Packer (Folha de São Paulo)
Aposto e ganho: vira e mexe acontece alguma coisa na sua vida que parece inexplicável. Se foi para o bem, diz-se que ocorreu por sorte. Se para o mal, um tremendo azar. É compreensível. Mesmo para quem não leva o assunto a sério, fica mesmo difícil às vezes acreditar que tudo, de bom ou ruim, não passa de puro acaso. Tem gente que nasce de fato "virada para a Lua"? E outras que são implacavelmente perseguidas pelo infortúnio?
Um psicólogo britânico decidiu enfrentar essas questões com uma abordagem científica rigorosa, e os resultados são intrigantes. Eles sugerem não só que cada pessoa é responsável por sua própria sorte, mas, mais ainda, que é possível alterá-la e manipulá-la.
"Eu comecei esse chamado 'Projeto Sorte' em 1994", conta Richard Wiseman, pesquisador do Departamento de Psicologia da Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido. Nos últimos 12 anos, ele cruzou os dedos e se arriscou no tema, tentando coletar dados científicos sobre o campo pioneiro da "psicologia da sorte",como ele gosta de classificar. Além de ter escrito dois livros sobre o assunto voltados para o grande público -"O Fator Sorte" e "Onde Está o Gorila?", ambos já publicados no Brasil-, Wiseman é autor de dezenas de estudos sobre o tema, para revistas de psicologia e comportamento.
A premissa básica que dá suporte aos estudos de Wiseman é que os acasos realmente acontecem por acaso e em igual proporção para todas as pessoas -uma noção que exclui, logo de cara, possibilidades sobrenaturais. O que acontece, diz ele, é que certos comportamentos "potencializam" o que chamamos de sorte.
Alguns estudos do psicólogo britânico mostram que, num grupo aleatório, as pessoas que se dizem muito sortudas coincidem com as que têm maior número de amigos e conhecidos. Como explicar isso? Para Wiseman, a relação é óbvia. "Quanto mais pessoas um indivíduo conhece, maior o número de encontros 'por acaso' ele terá, com maiores chances de produzir oportunidades inesperadas no futuro", diz. "Com isso, a pessoa vai se achar mais sortuda do que aquela que nunca encontra ninguém conhecido na rua."
Mais ou menos atenção?
Muitas vezes o segredo não está só no número de oportunidades que aparecem, mas na capacidade do indivíduo de percebê-las. Wiseman demonstra com diversos experimentos que nem sempre vale a pena se concentrar demais numa única tarefa. O foco, diz ele, pode fazer com que você ignore coisas óbvias. Num experimento, em geral, isso produz apenas umas boas risadas; na vida real, pode significar deixar passar boas oportunidades (e depois lamentar a "falta de sorte").
Em suas apresentações públicas, o psicólogo costuma exibir um pequeno vídeo produzido por seus alunos. Nele, há dois trios, um vestido de preto, outro de branco. Para cada trio, há uma bola de basquete. Wiseman pede aos expectadores que contem quantas vezes os de branco passam a bola uns para os outros, ignorando os de preto, que também ficam passando uma bola para confundir.
Terminada a exibição, Wiseman pergunta à platéia: "Quem contou 14? 15? 17?", e várias pessoas levantam a mão, de acordo com sua contagem. E ele: "Alguém percebeu algo estranho no vídeo?". Poucos se manifestam -na média, algo ao redor de 10%, segundo o psicólogo. "O que a maioria de vocês não conseguiu ver", conta Wiseman, "é que, enquanto os alunos passavam a bola, um cara vestido de gorila entrava em cena, parava bem à frente da câmera, batia no peito, e então saía pelo outro lado." O pesquisador mostra o vídeo novamente, e os 90% enganados se espantam com sua desatenção -tão concentrados eles estavam na bola e nos alunos de branco que seus cérebros ignoraram o gorila.
Uma versão diferente do mesmo experimento, com um grupo mais controlado, apresenta os mesmos resultados. Os cientistas recrutam voluntários e pedem que eles contem quantas fotos há num caderno de jornal. Lá pela terceira página, há um anúncio, com letras garrafais, "PARE DE CONTAR! Há 17 fotos neste jornal". São pouquíssimos os que percebem, mesmo quando aparece uma oportunidade ainda melhor: um anúncio dizendo "Se você vir essa mensagem, diga ao experimentador e ganhe $ 100 libras esterlinas (cerca de R$ 450)". Aos poucos que viram, Wiseman teve de explicar que era só um teste e que os cientistas não ganham dinheiro suficiente para pagar as cem pratas.
São seus olhos
E quanto a superstições? Bater na madeira, andar com pé-de-coelho, isso funciona? Wiseman, em parceria com Caroline Watt, da Universidade de Edimburgo, decidiu investigar esse ângulo das superstições e descobriu algumas coisas interessantes. Num experimento que contou com 4.339 participantes, ele descobriu que as pessoas menos preocupadas e ansiosas (o que, em tese, ajuda a perceber e, por conseqüência, a garimpar oportunidades) tendem a ter mais superstições positivas, como usar amuletos ou cruzar os dedos. Ou seja, elas se preocupam em "atrair" a sorte.
Em compensação, entre os que se vêem como mais "encanados" (e menos sortudos), há maior inquietação com as superstições negativas -o medo de passar sob uma escada ou quebrar um espelho, por exemplo. Ou seja, a maior preocupação delas é o azar.
Resumo da ópera: sorte e azar, portanto, seriam meros artefatos da mente, que servem para explicar circunstâncias geradas menos pelo acaso e mais por diferenças comportamentais. Em outras palavras, são apenas ilusões.
E olhe que, de ilusionismo, Wiseman entende muito. Antes de se tornar doutor em psicologia, ele exercia a profissão de mágico profissional. Suas palestras inevitavelmente vêm acompanhadas de truques com cartas, adivinhações ou objetos que desaparecem e reaparecem. As mágicas ajudaram a fazer dele um dos divulgadores de ciência mais populares do Reino Unido, com aparições em muitos programas de televisão.
Coro dos contrários
Se os assuntos tratados por Wiseman são incomuns, seus métodos, mais ainda. Para detectar as variações e correlações sobre a percepção individual da sorte, o pesquisador lançou mão de estudos realizados com milhares de voluntários recrutados pela internet.
Por isso, muitos psicólogos suspeitam que possa haver algum viés de observação, ou seja, que as pessoas que foram atraídas para o estudo pela internet não representem fielmente um grupo aleatório de uma dada população.
Wiseman é o primeiro a reconhecer que esse é um problema. O seu experimento para determinar a relação entre percepção de sorte e superstições, por exemplo, foi realizado pela internet -as pessoas preenchiam um formulário on-line. Para corroborar os dados coletados na rede, ele e Watt refizeram o experimento com formulários reais, enviados pelo correio. O número de participantes foi reduzido drasticamente (116 indivíduos, contra os mais de 4.000 do estudo on-line), mas as principais conclusões foram confirmadas.
Em compensação, o psicólogo aponta algumas das vantagens de sua estratégia. "Num estudo de massa, com milhares de participantes, você consegue perceber diferenças estatísticas muito, muito sutis, mas relevantes", ele explica.
Com base nesses estudos, ele acredita que é possível identificar e encorajar os comportamentos que trazem o que costumamos chamar de sorte, ajudando os que se consideram azarados.
Além de fazer mais amigos e não fechar demais a atenção, o pesquisador sugere que as pessoas confiem mais na intuição e alimentem sempre boas perspectivas, mesmo quando em situações adversas -pode ser a força que falta para persistir e sair com um resultado positivo no final.
Se é possível controlar o comportamento para fazer isso, não se sabe. De todo modo, a pesquisa já trouxe muita sorte para Wiseman -seu primeiro livro sobre o assunto, "O Fator Sorte", é best-seller no Reino Unido e já foi publicado em pelo menos 25 países.
Aposto e ganho: vira e mexe acontece alguma coisa na sua vida que parece inexplicável. Se foi para o bem, diz-se que ocorreu por sorte. Se para o mal, um tremendo azar. É compreensível. Mesmo para quem não leva o assunto a sério, fica mesmo difícil às vezes acreditar que tudo, de bom ou ruim, não passa de puro acaso. Tem gente que nasce de fato "virada para a Lua"? E outras que são implacavelmente perseguidas pelo infortúnio?
Um psicólogo britânico decidiu enfrentar essas questões com uma abordagem científica rigorosa, e os resultados são intrigantes. Eles sugerem não só que cada pessoa é responsável por sua própria sorte, mas, mais ainda, que é possível alterá-la e manipulá-la.
"Eu comecei esse chamado 'Projeto Sorte' em 1994", conta Richard Wiseman, pesquisador do Departamento de Psicologia da Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido. Nos últimos 12 anos, ele cruzou os dedos e se arriscou no tema, tentando coletar dados científicos sobre o campo pioneiro da "psicologia da sorte",como ele gosta de classificar. Além de ter escrito dois livros sobre o assunto voltados para o grande público -"O Fator Sorte" e "Onde Está o Gorila?", ambos já publicados no Brasil-, Wiseman é autor de dezenas de estudos sobre o tema, para revistas de psicologia e comportamento.
A premissa básica que dá suporte aos estudos de Wiseman é que os acasos realmente acontecem por acaso e em igual proporção para todas as pessoas -uma noção que exclui, logo de cara, possibilidades sobrenaturais. O que acontece, diz ele, é que certos comportamentos "potencializam" o que chamamos de sorte.
Alguns estudos do psicólogo britânico mostram que, num grupo aleatório, as pessoas que se dizem muito sortudas coincidem com as que têm maior número de amigos e conhecidos. Como explicar isso? Para Wiseman, a relação é óbvia. "Quanto mais pessoas um indivíduo conhece, maior o número de encontros 'por acaso' ele terá, com maiores chances de produzir oportunidades inesperadas no futuro", diz. "Com isso, a pessoa vai se achar mais sortuda do que aquela que nunca encontra ninguém conhecido na rua."
Mais ou menos atenção?
Muitas vezes o segredo não está só no número de oportunidades que aparecem, mas na capacidade do indivíduo de percebê-las. Wiseman demonstra com diversos experimentos que nem sempre vale a pena se concentrar demais numa única tarefa. O foco, diz ele, pode fazer com que você ignore coisas óbvias. Num experimento, em geral, isso produz apenas umas boas risadas; na vida real, pode significar deixar passar boas oportunidades (e depois lamentar a "falta de sorte").
Em suas apresentações públicas, o psicólogo costuma exibir um pequeno vídeo produzido por seus alunos. Nele, há dois trios, um vestido de preto, outro de branco. Para cada trio, há uma bola de basquete. Wiseman pede aos expectadores que contem quantas vezes os de branco passam a bola uns para os outros, ignorando os de preto, que também ficam passando uma bola para confundir.
Terminada a exibição, Wiseman pergunta à platéia: "Quem contou 14? 15? 17?", e várias pessoas levantam a mão, de acordo com sua contagem. E ele: "Alguém percebeu algo estranho no vídeo?". Poucos se manifestam -na média, algo ao redor de 10%, segundo o psicólogo. "O que a maioria de vocês não conseguiu ver", conta Wiseman, "é que, enquanto os alunos passavam a bola, um cara vestido de gorila entrava em cena, parava bem à frente da câmera, batia no peito, e então saía pelo outro lado." O pesquisador mostra o vídeo novamente, e os 90% enganados se espantam com sua desatenção -tão concentrados eles estavam na bola e nos alunos de branco que seus cérebros ignoraram o gorila.
Uma versão diferente do mesmo experimento, com um grupo mais controlado, apresenta os mesmos resultados. Os cientistas recrutam voluntários e pedem que eles contem quantas fotos há num caderno de jornal. Lá pela terceira página, há um anúncio, com letras garrafais, "PARE DE CONTAR! Há 17 fotos neste jornal". São pouquíssimos os que percebem, mesmo quando aparece uma oportunidade ainda melhor: um anúncio dizendo "Se você vir essa mensagem, diga ao experimentador e ganhe $ 100 libras esterlinas (cerca de R$ 450)". Aos poucos que viram, Wiseman teve de explicar que era só um teste e que os cientistas não ganham dinheiro suficiente para pagar as cem pratas.
São seus olhos
E quanto a superstições? Bater na madeira, andar com pé-de-coelho, isso funciona? Wiseman, em parceria com Caroline Watt, da Universidade de Edimburgo, decidiu investigar esse ângulo das superstições e descobriu algumas coisas interessantes. Num experimento que contou com 4.339 participantes, ele descobriu que as pessoas menos preocupadas e ansiosas (o que, em tese, ajuda a perceber e, por conseqüência, a garimpar oportunidades) tendem a ter mais superstições positivas, como usar amuletos ou cruzar os dedos. Ou seja, elas se preocupam em "atrair" a sorte.
Em compensação, entre os que se vêem como mais "encanados" (e menos sortudos), há maior inquietação com as superstições negativas -o medo de passar sob uma escada ou quebrar um espelho, por exemplo. Ou seja, a maior preocupação delas é o azar.
Resumo da ópera: sorte e azar, portanto, seriam meros artefatos da mente, que servem para explicar circunstâncias geradas menos pelo acaso e mais por diferenças comportamentais. Em outras palavras, são apenas ilusões.
E olhe que, de ilusionismo, Wiseman entende muito. Antes de se tornar doutor em psicologia, ele exercia a profissão de mágico profissional. Suas palestras inevitavelmente vêm acompanhadas de truques com cartas, adivinhações ou objetos que desaparecem e reaparecem. As mágicas ajudaram a fazer dele um dos divulgadores de ciência mais populares do Reino Unido, com aparições em muitos programas de televisão.
Coro dos contrários
Se os assuntos tratados por Wiseman são incomuns, seus métodos, mais ainda. Para detectar as variações e correlações sobre a percepção individual da sorte, o pesquisador lançou mão de estudos realizados com milhares de voluntários recrutados pela internet.
Por isso, muitos psicólogos suspeitam que possa haver algum viés de observação, ou seja, que as pessoas que foram atraídas para o estudo pela internet não representem fielmente um grupo aleatório de uma dada população.
Wiseman é o primeiro a reconhecer que esse é um problema. O seu experimento para determinar a relação entre percepção de sorte e superstições, por exemplo, foi realizado pela internet -as pessoas preenchiam um formulário on-line. Para corroborar os dados coletados na rede, ele e Watt refizeram o experimento com formulários reais, enviados pelo correio. O número de participantes foi reduzido drasticamente (116 indivíduos, contra os mais de 4.000 do estudo on-line), mas as principais conclusões foram confirmadas.
Em compensação, o psicólogo aponta algumas das vantagens de sua estratégia. "Num estudo de massa, com milhares de participantes, você consegue perceber diferenças estatísticas muito, muito sutis, mas relevantes", ele explica.
Com base nesses estudos, ele acredita que é possível identificar e encorajar os comportamentos que trazem o que costumamos chamar de sorte, ajudando os que se consideram azarados.
Além de fazer mais amigos e não fechar demais a atenção, o pesquisador sugere que as pessoas confiem mais na intuição e alimentem sempre boas perspectivas, mesmo quando em situações adversas -pode ser a força que falta para persistir e sair com um resultado positivo no final.
Se é possível controlar o comportamento para fazer isso, não se sabe. De todo modo, a pesquisa já trouxe muita sorte para Wiseman -seu primeiro livro sobre o assunto, "O Fator Sorte", é best-seller no Reino Unido e já foi publicado em pelo menos 25 países.
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